As mil e uma cartas que eu (ainda) não te escrevi, mamã

quinta-feira, junho 23, 2016


Tenho todos os dias a maior sorte do mundo e nós sabemos disso.

Cresci num ambiente de total equilíbrio entre o amor e a paz. Sou feliz todos os dias enquanto vivo e faço sempre questão de o ser enquanto filosofia de vida que adoto.

Conto com tantos sonhos quanto sorrisos leves para oferecer, e sabes? A ti te o devo.

A ti e a toda a educação que sempre fizeste questão de me dar, aleada claro, a um enorme amor, carinho e uma tão grande paixão pela vida que nada melhor sei fazer senão viver.

Deixaste por cá todas as cartas que te escrevi, aquelas que colecionávamos juntas no dossier de capa grossa por tantas que já se acumulavam, lembras-te? 
Nele guardaste com todo o cuidado cada traço que pus em papéis. Desde os desenhos terríveis aos meus textos que tu vangloriavas por terem ganho primeiros lugares, ainda que eu tenha ideia de que isso só tenha acontecido por terem sido partilhados no colégio espanhol.

Mas mais do que às cartas que te escrevi, deixaste-te a ti, minha mãe.

Ficaste-me em cada virar de esquina, em cada abraço mais apertado ou em cada emoção mais forte por que passe. Ficaste-me na alma, levaste-me tão grande parte do coração.

Partiste sem dizer adeus, porque na verdade, sabes que nunca haveria um adeus disponível para nenhuma ocasião que nos separasse.

Nunca houve viagem nenhuma que não me aproximasse da tua alegria, exceto esta que fizeste para o outro lado do mundo e de onde não mais voltaste.

Mas eu estou bem, meu amor. Eu estou bem porque sei que é exatamente assim que gostarias que estivesse.

Tenho os meus objetivos delineados e sei que irei conseguir atingi-los, porque, tal como sempre me disseste e obrigaste a repetir tantas vezes “do querer ao conseguir, basta querer”. E eu quero tanto, Quero tanto honrar-te da melhor maneira que conseguir.
Quero tanto manter o papel da tua miúda que anda sempre com a cabeça na lua mas que sabe o quanto custa ter os pés em terra. 

Quero tanto manter os valores de mulher que tão bem me transmitias todos os dias. E quero tanto mamã, mas tanto, que sorrias tanto quanto sorrio de todas as vezes que me lembro de ti.

Sei que não partiste para parte nenhuma que fique longe e sei sobretudo que sempre estarás por perto para me amparares cada queda desastrosa ou cada gargalhada mais estridente que eu acidentalmente der. 

Tinha o mundo para te oferecer mas sei que ainda vou a tempo para te o proporcionar.
Fizeste-me de afetos e graças a ti sei que sou uma pessoa cheia de momentos bons num mundo de gente “mais ou menos”.

Devo-te tanto que tudo nunca seria o suficiente.

Imortalizar-te-ei sempre com o mesmo cuidado que guardaste cada esboço meu.

Um dia darás o meu melhor livro, até lá, és a minha melhor memória de cada dia.


Amo-te tanto, muitos parabéns, mamã.





Assumidamente idiota

segunda-feira, junho 20, 2016


No outro dia tive uma atitude que me fez envergonhar a mim mesma.

Em mais uma pesarosa viagem de metro, uma senhora disse-me “qualquer coisa”, ao que eu, do alto da minha estupidez, respondi “não tenho” - imaginando ser mais uma daquelas que por ali passam e fazem o seu ordenado quase com um horário das 9h as 17h com pausa para almoço - porque o que conta mesmo é a hora de ponta- usando como material de trabalho o chiwawa ao ombro e o acordeão que produz som automático.

Bastaram poucos segundos pela resposta que recebi para me sentir a pessoa mais ignorante naquele momento- “ Não pedi nada, disse apenas que eras muito bonita. Es uma mulher mesmo bonita ”.

Não sei o que foi pior, se a minha reacção idiota e desproporcional, ou o tamanho carinho com que aquela senhora falou comigo.

Como é que depois da resposta que lhe dei, ainda me tratou com tamanho afeto?

É este o problema de vivermos no país dos que estão sempre “mais ou menos”, daqueles que “vão andando” e dos que “vivem um dia de cada vez”.

Somos derrotistas por natureza e com essa mesma derrota triste levamos o melhor que podíamos por cá deixar.

Quem brilha incomoda a maioria das pessoas pelo quanto erradia e passamos a vida a esquecer-nos de que há, claro, “almoços grátis”. 

Há almoços, há jantares, há sorrisos e há alegria- há e estão em nós. 

Cabe a cada uma das nossas almas não pararem de os transmitir.

Cabe a cada pessoa cruzar a rua de queixo erguido e uma simpatia que seja transmissível de dentro para fora. 

Não somos o que construímos, somos o que vamos levando de cada dia que passa, e tão bom que isso é. 

Não somos apenas as imagens que constantemente teimamos em idealizar. Somos vida, somos paz e deveríamos ser sinónimos de entreajuda e cooperação.

 O Ser-Humano deveria viver quase como numa comunidade cujo combustível fosse amor. 

Não existem pessoas más, sítios maus ou dias péssimos. A isso chamam-se momentos e é para esses que temos de canalizar a nossa energia para os superar. 

Deixemo-nos de depressões de meia noite ou de choradeiras menstruais. Não existem aqueles “dias assim”, cabe-nos a missão de não os criar ou não lhes atribuir as dimensões que não têm. 

O mundo não conspira porra nenhuma. Ele gira e é para todos e se tivermos de cair, que o façamos, mas em grande estilo e com a capacidade de rirmos da nossa própria queda. Veremos que quando nos levantarmos seremos muito mais cautelosos, seja esta dada no asfalto ou num dia que custe mais a passar. 

 A magia nasce da transparência, da lealdade e do sermos a nossa melhor versão em tudo o que fizermos e abraçarmos. 

Para terminar, e engolirem em seco comigo, digo-vos que aquela senhora - que efetivamente não quis nada- vinha do outro lado da cidade para ir visitar a mãe que se encontrava hospitalizada. 

Mãe essa que cuidava dela e de toda a logística da sua casa ao ponto de se encontrar sem qualquer tipo de mantimento no dia em que a conheci.

E não foi por isso que não fez o meu dia, e não foi por isso que deixou de sorrir e não foi por isso que não deixou de ir ver a sua mãe mais um dia a viver. 

Ambicionamos todos ter o melhor dos dois mundos e não vemos que isso está em nós. 

Queremos todos avistar as estrelas sem sequer saborearmos o prazer de tocar com os pés no chão. 



Protótipos e outras parvoíces do género

quinta-feira, junho 09, 2016


Há uma proximidade entre a liberdade e a estupidez demasiado curta.

Vivemos de construções idealizadas por outros. O que eles querem para nós, será o que nós monopolizados também acabaremos por querer.

Fica bonito termos um canudo e fugimos da arte como o Diabo da Cruz. A arte em todo o seu esplendor, a arte que tanta coisa abrange e tanta coisa de fantástica nos traz, a arte que está em cada um de nós com os seus traços e à sua medida.

O socialmente aceite é apenas o politicamente correto - Quem gostar de representar, nem pensar enveredar pelo teatro, porque será um infeliz e um sem rumo aos olhos de quem não vê o talento que por ali passa.

Música é um hobbie, ser músico não é uma profissão. Que luxo seria poder passar uma vida só a estudar exaustivamente para criar mais e melhor possível, já viram? Isso é para meninos. E a literatura… ai a literatura, essa então vista por terceiros é a profissão de quem tanto sonha mas que nunca conseguirá passar para além disso. 
E sabem? No fundo a literacia é isso mesmo, sonhar com os pés assentes na terra, e não é isso tão delicioso?

 “Ser poeta é ser mais alvo”, li por ai. Não é só ser poeta, é ser artista. É fazer arte seja ela transmissível por que meandros for. Temos demasiados ignorantes encapuçados de doutores e demasiados fatos e gravatas vestidas em almas selvagens e que foram feitas para viajar em tempos e espaços construídos de raiz.

Somos um mundo que vê euros, nem que para isso tenha de parar de ver sonhos e felicidade e amor e fascínio por aquilo que faz ao longo de toda a sua vida.

Claro que temos de engolir sapos, não serei hipócrita ao ponto de dizer que dinheiro não traz felicidade, sendo que ajuda obviamente a desenhá-la, mas de que nos serve uma felicidade sem alegria? Sem alma? Sem luz?

 Para que nos serve viver a vida se não for para o fazer no seu máximo expoente?

“Menos é mais” em muita coisa, mas nunca em sorrisos genuínos, felicidades desmedidas e sonhos que tenham formas, sejam elas quais forem.

O importante não é vivermos cheios de bens, é vivermos cheios de tudo o que de melhor nos rodear.

 É trabalharmos exaustivamente em algo que nem nos faça sentir aquilo enquanto um trabalho.

 É dentro das obrigações vivermos todas as vitórias a que temos direito, sejam elas para um público cheio ou num fim de tarde descalços em casa sozinhos, ao som de uma boa música e com o sentido de dever cumprido.

Não há nem nunca haverá melhor sensação de “viver bem” no lugar de “estarmos bem”.


E no fundo, são tantas as vezes que poderíamos ser felizes e nem o sabíamos pela cobardia de não arriscar.







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