Em Londres por um canudo

terça-feira, janeiro 26, 2016


Juntei uns euros e lá fui eu.

Entre promoções de viagens e a escolha do dia mais adequado para a troca do euro pela libra segui a minha viagem.

Senti sempre uma curiosidade imensa de conhecer a terra da Exma. Majestade. Terra sem Sol diziam. Distante e fria, mas a casa de tantos que partiram de cá em busca de uma nova esperança por lá.
Consegui fazer esta viagem porque fui recebida na casa de amigos, abandonaram o nosso Portugal onde tinham as suas respectivas zonas de conforto estipuladas e lá foram eles.

Criticados por tantos por aceitarem “trabalhos precários” que cá não aceitariam, esquecendo-se que esses mesmos trabalhos, lá são remunerados 3 a 4 vezes mais que no nosso país, tão cheio de sol e tão vazio de oportunidades.

Nunca pensei viver fascinada por quatro dias consecutivos. Não só pela beleza da cidade, nem pela quantidade de espaços verdes ou variedade de transportes existentes. Deslumbrei-me, entre muitas outras coisas, pela valorização do ser humano em toda a sua essência; nos cuidados connosco para que possamos também ser bons para com os outros; nos cuidados com o ambiente, na possível progressão de carreira; nos feriados que não lhes são retirados dia sim, dia não; na gentileza e entrega vivida entre tantos que abandonaram os seus para poder dar-lhes uma vida digna de gente. 
Não pedem muito, partilham casa com imensos elementos de várias partes no mundo, todos com um único ponto comum: a conquista todos os dias de algo melhor.

Trabalham de sol a sol para terem condições de vida. Mas aí estão as palavras-chave: trabalham por poderem fazê-lo, têm condições para não se limitarem a sobreviver.

De lá ajudam os de cá e, entre os recantos da saudade, das lágrimas e do aperto que a distância lhes promove, têm a certeza de que mais vale um momento de angústia pela saudade do que pela falta de mantimentos para um dia seguinte.

Não avistam o sol pela janela ao despertar, mas vivem-no nas suas vidas e nas suas realidades interiores por poderem mostrar o que valem ao mundo; por tudo o que estudaram, por tudo o que mais tarde fizeram para aprender e, pelo amor que têm ao que exercem.

Naquela cidade os sorrisos não são de fácil acesso, muitos escondem nos seus olhos a melancolia de natais perdidos no sofá, mantendo a chama festiva desse dia acesa via Skype. Mas avistamos esperança, fé e um Acreditar que aqui em Portugal se tornou impossível de tocar.
Muitos fazem do metro o seu palco. Cada passageiro se torna a sua plateia. Por ali ouve-se música, assistem-se a peças de teatro, espectáculos de dança ou até mesmo interacções entre animais e humanos que nunca presenciei noutro lugar.

Talvez o mundo seja pequeno demais para tanta gente, ou talvez os que por aqui passam o façam ainda mais pequeno, focando-se apenas nos seus interesses pessoais.
Aqui, enquanto uns não têm o que comer, compram-se faqueiros de 300 mil euros… por lá, não se vive com muito, mas vive-se.

E afinal de contas, em Portugal faz muito tempo que viver se tornou num luxo das mais ricas elites.






Perdidos na memória, entre o azul d’um olhar

sábado, janeiro 09, 2016


“Quem vem lá Constança?”

Antes de chegar, fui avisada de que o caso estava mal parado, que eram pessoas do campo, gente de outros tempos.

Preparei-me para uma realidade totalmente diferente daquela a que estava habituada até então, perante um panorama tão dramático.

E eis que encontrei o mais importante - Amor. No estado mais puro a que alguma vez tivera o prazer de assistir.

Constança, de 87 anos, e Francisco, de 89, que durante o último ano foi afectado pelo tenebroso Alzheimer, que levou tanto do que não mais ficou e que nos assombra a nós pelo que já não é e não sabemos ao certo quando deixou de ser.

Os dois tão simples. Tão bonitos. Tão reais.

Francisco todos os dias se esquece de quem é, das pessoas que o rodeiam e de tudo o que vive no presente, mas há uma coisa de que nunca em tempo algum se consegue esquecer: a sua Constança.
A mulher para quem olha cada manhã desde os seus tempos de garoto. A mulher que cada dia conquistou e junto de quem sempre batalhou.

Recorda-se também, entre algumas falhas cronológicas, de cada trabalho no campo, cada vez que tiveram de lutar pela jorna diária e cada pessoa que, com o trabalho de equipa junto da sua esposa, foi adicionada à lista dos “despachados profissionalmente”. Alegra-se com cada canto daquela casa tão arranjada, tão meticulosamente cuidada, tão bonita, tão deles.

Por mais que a memória o tente levar dele, a ela, não a leva. É mais forte do que a doença, mais forte do que a cura, é amor e tem um nome.

Entre o olhar feito da cor mais bonita que o mar conhecera, daquelas duas pessoas com quem tive o tão grande prazer de privar, entendi que por todas as diligências que tiveram de passar, passaram-nas juntos e foi sempre com a força da união que prevaleceram.

 Naquele momento que Francisco não teve já capacidade de cronometrar, também eu me perdi, a saborear todas as histórias de luta, de vitória, de conquistas, mas também de muito trabalho e um imenso sacrifício. Da nossa conversa retive um imenso ensinamento, por entre os quase 90 anos de ambos, sei que há uma coisa que a dor do Alzheimer não será nunca capaz de lhes levar, a força das conquistas que alcançaram.

Poderá a memória faltar-lhes, poderá algum dia já nada mais fazer sentido, mas enquanto vivem, fazem-no da melhor forma que sabem, podem e conseguem, sempre juntos.

Todos os dias se lembram do quão importante são um para o outro, todos os dias se lembram do que o coração teima em não conseguir esquecer - Viver.

Enquanto há vida, não há memória nenhuma mais importante do que a de serem felizes. E ainda que colecionem o mesmo sorriso repetidamente várias vezes por dia, enquanto sorrirem, enquanto sentirem, enquanto amarem, irão sempre viver.

Pode já não se lembrar de mim agora Francisco, mas eu sempre me lembrarei de si. Devo-lhe isso. Tem uma história bonita demais para ser esquecida, e enquanto me permitir, irei recordá-lo sempre da pessoa extraordinária que é.


Até que a memória nos separe.



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